TJBA 13/01/2023 -Pág. 1828 -CADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL -Tribunal de Justiça da Bahia
TJBA - DIÁRIO DA JUSTIÇA ELETRÔNICO - Nº 3.254 - Disponibilização: sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
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Inicialmente, tendo em vista os fatos discutidos na presente lide, verifica-se, a desnecessidade de produção de outras provas,
além daquelas já produzidas, razão porque, considerando-se que a matéria em análise prescinde, em absoluto, da produção
de prova testemunhal ou pericial, eis que presentes todos os elementos necessários à apreciação do objeto do processo, nos
termos do art. 355, I do CPC, passa-se ao julgamento antecipado ou imediato do mérito da lide.
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer, em que o requerente pretende a condenação da acionada em arcar com o procedimento recomendado em relatório médico, bem como indenização por danos morais diante da recusa do tratamento.
Analisando-se os autos, verifica-se, que não há discussão quanto à existência do contrato entre as partes, sua validade, o adimplemento das prestações mensais pelos autores nem sobre o quadro de saúde do requerente.
A discussão gira apenas em torno da obrigatoriedade ou não de cobertura do tratamento/internação para fins de reabilitação e
sua previsão em contrato ou legislação.
Trata-se a relação em cotejo de uma prestação de serviços, que configura relação de consumo, formada de um lado por um fornecedor de serviços que é a empresa seguradora, nos exatos termos do art. 3º, § 2º do CDC, e, de outro lado, por um consumidor
destinatário final de tais serviços, de acordo com o art. 2º. Assim, essa relação é regida, prevalentemente, pelas normas do CDC,
que são de ordem pública e interesse social (art. 1º), e inderrogáveis pela vontade das partes.
O contato prévio e inicial foi permeado pela boa-fé, que o CDC erige à condição de conduta obrigatória pelo art. 4º, Inc. III (parte
final) compondo um dos seus princípios fundamentais, quiçá o mais importante. Boa-fé entendida não como mera intenção, mas
como imperativo objetivo de conduta, exigência de respeito, lealdade, cuidado com a integridade física, moral e patrimonial, e
que deve prevalecer desde a formação inicial da relação de consumo, especialmente para que seja uma relação harmônica (art.
4º-caput, e Inc. III) e transparente (art. 4º, caput), preservando-se a dignidade, a saúde, a segurança, a proteção dos interesses
econômicos do consumidor em face da presunção legal da sua vulnerabilidade no mercado de consumo (art. 4º, Inc. I).
Em matéria de defesa do consumidor, lida-se com a perspectiva de “relações de massa”, impessoalizadas, reguladas via de regra
através de contratos de adesão impostos por uma das partes, como no caso dos planos e seguros de saúde.
É claro que as partes hão de cumprir o contrato, sem dúvida, mas têm de se subordinar, primeiro, à vontade da lei, que é a
expressão da vontade social, e cumprir, antes, o que nela vier determinado. E, em matéria de relações de consumo, a lei impõe
princípios fundamentais que devem ser obrigatoriamente observados, de modo que, se a surpresa dos fatos advindos carregar
algo em dissonância da vontade legal, prevalece o que a lei determina, e não a vontade contratual.
A lei 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina em seu art. 10, cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde. Segundo Relatório
Médico colacionado à petição inicial, a doença do autor encontra-se enquadrada na mencionada Classificação.
Além disso, a supramencionada Lei determina que internações hospitalares, inclusive em centros de terapia intensiva e em clínicas básicas ou especializadas não podem sofrer limitação de dias de internação.
Admitir que cláusula contratual restringisse direito básico do consumidor, expressamente previsto em legislação sob argumento
de autonomia da vontade seria negar o conteúdo do próprio objeto do contrato de seguro saúde.
Nestes casos, a jurisprudência pátria, afastando a cláusula restritiva, aplica as normas de defesa do consumidor, direito fundamental, para garantir a execução do contrato. Vejamos Decisões sobre o tema:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO ENDOVASCULAR. RECUSA INJUSTIFICADA PARA AUTORIZAÇÃO. INEXISTENCIA DE CULPA DE TERCEIRO. ARBITRAMENTO DE
INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL AO DANO SOFRIDO. HONORARIOS FIXADOS ADEQUADAMENTE. APELO IMPROVIDO.
1. Dever de cobertura contratual por parte do plano de saúde pois, existindo indicação médica para utilização de tratamento específico não se legitima a análise do procedimento indicado pelo médico assistente credenciado para que haja a autorização da
cobertura, especificamente porque não cabe ao plano de saúde a escolha pela terapia mais adequada ao paciente.
2. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que somente é admissível o exame do valor fixado a título de
danos morais em hipóteses excepcionais, quando for verificada a exorbitância ou a irrisoriedade da importância arbitrada, em
flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não se verifica no presente caso.
3. Honorários fixados adequadamente. APELO DA RÉ IMPROVIDO.( Classe: Apelação,Número do Processo:
0801519-91.2015.8.05.0080,Relator(a): MOACYR MONTENEGRO SOUTO,Publicado em: 25/09/2018 )
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. INTERNAÇÃO. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE EMERGÊNCIA. NEGATIVA DE AUTORIZAÇÃO SOB ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DE COBERTURA CONTRATUAL PARA O PROCEDIMENTO. RECUSA DE COBERTURA CONSIDERADA ABUSIVA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. VALOR QUE SE
ENCONTRA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DESTA CORTE. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. ART. 85, § 11, CPC/2015. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS MAJORADOS.(
Classe: Apelação,Número do Processo: 0514573-17.2013.8.05.0001,Relator(a): LIGIA MARIA RAMOS CUNHA LIMA,Publicado
em: 15/03/2017 )
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO (DISSECTOMIA PERCUTANEA) PARA TRATAMENTO DE HÉRNIA DISCAL CERVICAL C5C6 COM DISCOPATIA DEGENERATIVA ASSOCIADA A
RADICULOPATIA. RECUSA INDEVIDA. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA. IMPOSSIBILIDADE DA ESCOLHA DO TRATAMENTO
PELA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. PRECEDENTES. CONDUTA ABUSIVA CONFIGURADA. DANO MORAL. EXISTENTE. QUANTIFICAÇÃO. VALOR DE R$ 10.000,00. EXAGERO. INEXISTÊNCIA. VALOR CONDIZENTES COM AS BALIZAS
ADOTADAS PELO E. STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REFORMA. APELO NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
( Classe: Apelação,Número do Processo: 0083816-76.2011.8.05.0001,Relator(a): ARNALDO FREIRE FRANCO,Publicado em:
06/07/2016 )
Diante destes argumentos, necessária a confirmação da medida liminar para manutenção da prestação do serviço pleiteado,
excluindo-se do contrato a cláusula abusiva que exclui a realização do tratamento recomendado.
Isto porque, não pode a ré escolher qual o tratamento que a parte autora deve seguir, pois o relatório médico colacionado aos
autos informa a necessidade do tratamento, bem como o período que deve ser realizado.